Atingir a excelência em qualquer atividade que se tenha interesse e pratique, nem sempre é tão simples
O treinamento de cirurgiões de todas as áreas cirúrgicas da medicina é sempre motivo de debate e foco de atenção de todos aqueles em que nessa área atuam. Dos que ensinam aos que aprendem, o esforço é máximo no sentido de promover a disseminação do conhecimento e desenvolver técnicas cirúrgicas que possam ser úteis para promover o bem estar e a saúde através das mãos treinadas de alguns.
Com a introdução de tecnologia e a chegada da cirurgia laparoscópica, muitas mudanças ocorreram nos campos cirúrgicos de todo o mundo. Não mais se fazia necessário abrir a parede abdominal para acessar seus órgãos. As mãos, que antes tocavam e palpavam estruturas anatômicas, agora apenas teriam contato com instrumentos longos e delicados. Os olhos que olhavam para as mãos e diretamente para o interior do corpo do paciente, hoje olham para telas de alta definição posicionadas nas extremidades das mesas de cirurgia.
Essas mudanças de paradigmas vieram com muitos benefícios para os pacientes, porém trouxerem consigo uma nova realidade e necessidades de treinamentos por parte dos médicos.
Adaptar-se a esse novo método, foi uma tarefa árdua para todos aqueles que acreditaram na força da tecnologia e investiram em se preparar.
Treinamentos regulamentados não existiam em nosso país, apenas na Europa
Alguns cirurgiões deixaram suas famílias e lares em busca de treinamento no velho mundo e ao retornar ao Brasil, iniciaram suas práticas clínicas, mas também passaram a promover treinamentos e cursos.
No início, não somente com o intuito de ensinar, mas também de manterem-se treinando e atualizados, uma vez que eram necessárias muitas horas de treinamento prático para atingir proficiência e desenvolver as novas habilidades necessárias.
E como praticar sem oferecer risco aos pacientes ?
Dispositivos para treinamento denominados “caixas pretas” passaram a fazer parte do nosso dia a dia. Eram em sua grande maioria caixas de madeira ou papelão, construídas artesanalmente, com um espelho em seu interior para que exercícios básicos de desenvolvimento de habilidades manuais com os novos instrumentos cirúrgicos e o entendimento da visão em duas dimensões promovida pela nova realidade das câmeras, pudessem ser reproduzidos sem riscos à outrem.
Isso fez parte da rotina diária da grande maioria dos cirurgiões que optaram por dedicar-se à cirurgia laparoscópica e ainda é assim até os dias de hoje. “As “caixas pretas” evoluíram, passaram a ser industrializadas, com a inclusão de câmeras, mas ainda estão presentes nas “mesas de cabeceira” das residências de muitos de nós cirurgiões.”completa o médico.
O treinamento diário faz grande diferença
Por melhor e mais evoluídas que sejam as nossas caixas de treinamento, elas não retratam a realidade de um procedimento cirúrgico. Permitem o desenvolvimento de habilidades motoras e visuais, mas não se movem, não possuem órgãos nem vasos sanguíneos, não sangram por um erro de abordagem, por exemplo.
Visando suprir essa deficiência, sempre com muito respeito ao bem estar animal, cirurgias denominadas experimentais foram introduzidas nas rotinas de treinamentos de cursos por todo o mundo. Realizadas centros cirúrgicos experimentais apropriados, em animais anestesiados, monitorados e criados para essa finalidade, os procedimentos cirúrgicos mais básicos e alguns mais avançados podem ser simulados e as técnicas cirúrgicas desenvolvidas em ambiente experimental sem riscos. Após o término da cirurgia experimental, os animais são imediatamente submetidos à eutanásia sem nenhum sofrimento. Cirurgias experimentais são motivo de controvérsia em todo o mundo devido ao uso de animais vivos para essa finalidade.
Apesar de simularem as situações de um procedimento cirúrgico real, as cirurgias experimentais não são capazes de reproduzirem a anatomia do corpo humano. O conhecimento da anatomia humana é um pré requisito básico para cirurgiões de todas as áreas.
Saber onde estão estruturas anatômicas, identificar os espaços por onde passar sem lesionar vasos, nervos e órgãos é mandatório. Como tudo em medicina, isso também leva tempo, e a anatomia deve ser reestudada constantemente pelos cirurgiões para que possam atuar com precisão e detalhe.
Uma forma de simular procedimentos cirúrgicos em humanos e termos a anatomia ainda representada, pode ser obtida com a utilização de cadáveres. No Brasil não é uma prática comum, mas em alguns países da Europa e nos Estados Unidos da América, pessoas doam e até mesmo vendem seus corpos para que sejam utilizados em treinamentos cirúrgicos e desenvolvimento da medicina. A utilização de cadáveres denominados “frescos” em cursos de treinamento cirúrgico é uma prática muito frequente nos dias de hoje.
Empresas especializadas na preparação de corpos humanos para este fim, atuam dentro das normas da lei, captando corpos de pessoas recém falecidas para que sejam preparados para sua utilização como modelos anatômicos. O sangue é drenado, e uma solução com base em ácido acético é colocada em seu lugar para fins de preservação.
Os corpos são mantidos preparados em câmaras frigoríficas até o momento de sua utilização e cremados logo depois de seu uso.
Novos equipamentos e técnicas são lançados e divulgados diariamente, trazendo a necessidade de conhece-los e treinar para incorporá-los em nossa prática cirúrgica diária.
Devido ao déficit de treinamentos estruturados nas universidades e residências médicas de todo o país, médicos cirurgiões recém-formados em suas especialidades, buscam por treinamento prático em cursos espalhados pelo país e pelo mundo. Investindo tempo e recursos próprios, numa busca incansável e praticamente eterna, pela obtenção de conhecimento e de uma excelência que nunca se faz plena e suficiente.